Karina Kuschnir

desenhos, textos, coisas


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Calendário 2024 para imprimir

“Para ter esperança, é preciso reconhecer que não sabemos tudo e não sabemos o que acontecerá. Se abrir às possibilidades e se permitir se transformar é a única forma de seguir em frente e continuar a fazer arte.” (Austin Kleon, Keep Going, p. 132)

A todos que estão diante da página em branco: criar é desafiador mesmo. O desconhecido nos amedronta e desestabiliza. E a gente se pergunta: por que nos colocamos nessa situação? É que a criação tem um poder mágico — nos energiza e nos fascina! Como escreveu Austin Kleon, criar é assumir nossa esperança no mundo e “seguir em frente” mesmo com todas as dúvidas e incertezas. Continuemos!

E assim surgiu mais um presentinho para vocês (e para mim mesma)! Fiz um calendário mensal tipo planner. A mesma folha pode ser reimpressa ao longo do ano. Basta escrever o nome do mês no topo e preencher os números dos dias nos quadradinhos. Ao lado do mês, fiz um espaço para listas de objetivos, tarefas, compras e o que mais vocês quiserem registrar.

Aqui vai o PDF em alta resolução para baixar e imprimir.

Um ano de muitas criações e esperanças para nós! ♥

Sobre a imagem: A inspiração para esse formato de calendário-planner veio da ilustradora Fran Meneses (@frannerd), que costuma fazer um desses anualmente para quem participa da plataforma Patreon dela. Eu já tinha a estampa pronta de uma época em que fiquei viciada em fazer essas folhinhas com aquarela e depois desenhar padrões por cima. Não anotei data nem detalhes, mas foi feita no verso de uma pintura que não gostei, em papel Arches (não consigo desenhar nem pintar em materiais caros! rs). Folhinhas em aquarela de cores variadas. Padrões em linha preta com canetinhas Pigma Micron 0,1. Outros materiais de pintura e desenho que utilizo com frequência vocês encontram aqui.

A folha era maior do que A4, por isso o scanner não deu conta direito. Juntei quatro dessas imagens no aplicativo Procreate no Ipad e fiz os ajustes para preencher os vazios e manter o fundo branco. Depois desenhei as linhas em tom de verde com o pincel Narinder pencil (meu favorito do Procreate). Consultando Antônio e Alice, resolvi deixar a parte da lista com 15% de transparência para não ficar idêntica ao calendário. Inclusive, vocês podem cortar a imagem e imprimir só essa seção. ♥

versão escaneada sem ajustes

Sobre as citações: tradução livre de trechos do livro Keep Going, de Austin Kleon. A versão em português chama-se Seguir em frente (Rocco, 2019). Recomendo demais esse livrinho sábio e despretensioso.

Você acabou de ler “Calendário 2024 para imprimir“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 

Como citar: Kuschnir, Karina. 2024. “Calendário 2024 para imprimir“, Publicado em karinakuschnir.com, url: https://wp.me/p42zgF-42V. Acesso em [dd/mm/aaaa].

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Uma doce sensação de abrigo em 2024

Pessoas queridas, pensei que estava só com paciência e prática, mas lembrei que estou apaixonada pela George Eliot. Em sua escrita, tudo é sério e irônico — tudo é “brincadeira e verdade”, como na música do Caetano. É um deslumbramento.

No seu livro mais autobiográfico, O moinho à beira do rio Floss, Eliot nos conta a história de Maggie Tulliver, uma menina de “oito ou nove anos, bem-educada e bem instruída” que tinha frequentado “só um ano num colégio …e tinha tão poucos livros que às vezes lia o dicionário. Se déssemos uma volta pelo seu cérebro, encontraríamos lá a mais inesperada ignorância.” (p. 121) Será?

Logo que a conhecemos, Maggie se esconde com uma tesoura para cortar os próprios cabelos, cansada das críticas da família e de ser menina. Tempos depois, foge de casa para ser livre e viver com os ciganos. É comovente acompanhar como descobre a pobreza e seu despreparo diante do mundo.

Encanta-se com Philip, um jovem que sabia contar histórias, muito tímido devido à corcunda de nascença. Adorava-o, até porque:

“Maggie tinha uma certa ternura pelas coisas deformadas; preferia sempre as ovelhas de pescoço torto, porque lhe parecia que as que eram fortes e bem constituídas não apreciavam tanto os carinhos, e ela gostava de fazer festas a quem as apreciasse.” (p. 192)

Quando Maggie se apaixona pelos livros que finalmente tem às mãos, reflete:

“Nos livros havia sempre pessoas amáveis e ternas, e que gostavam imenso de agradar uns aos outros. O mundo fora dos livros não era um mundo feliz; parecia ser um mundo onde as pessoas se portavam o melhor possível com as pessoas que não amavam e que lhes não pertenciam.” (p. 256)

De todos, ouve que tem de “ter paciência”. Exercita essa habilidade, censura-se tanto que experimenta a paz no “quietismo” que a tudo renuncia. Até que a vida lhe chama e seu coração é fulminado por um amor impossível. Diante da necessária separação, Maggie (e Eliot) dizem:

“Não posso esquecer tudo e começar outra vida. Devo voltar para trás, muito embora eu sinta que, sob os meus pés, já não existe nada de sólido.” (p. 525)

Como Eliot já havia nos preparado, Maggie desejava o que, de certo modo, todos nós também queremos:

“…era uma criatura cheia de anseios apaixonados e entusiastas por tudo o que era belo e alegre; sedenta de todos os conhecimentos, (…) com um inconsciente desejo de qualquer coisa que (…) desse à sua alma uma sensação de abrigo.” (p. 257, no original,   “a  sense  of  home)

É isso, queridos leitores. Que 2024 traga a todos nós paixão, paciência e prática, mas sobretudo o acolhimento da casa, com sua doce “sensação de abrigo”! ♥

A imagem que abre este post está em alta resolução e segue aqui um pdf para download que vocês podem baixar para imprimir. Vai com carinho especial para todos que estão enfrentando as festas em meio aos prazos de TCC, dissertações, teses e outras pressões acadêmicas ou não.

Sobre o desenho: Grafia e cores inspiradas na arte de Tom Gauld. O lema dos três Ps inventei há uns anos inspirada em uma aula online que fiz com o artista indiano-canadense Prashant Miranda. Ele mencionou perseverança ao invés de paciência, mas esta é para mim a maior das virtudes. Tecnicamente, utilizei os materiais de sempre: canetinhas Pigma Micron 0.1 ou 0.05, aquarelas e papel Canson. Se quiserem, tem a versão abaixo dos três Ps para baixar aqui.

Sobre as citações: Li a versão portuguesa de O moinho à beira do rio Floss, de George Eliot (trad. de Fernando de Macedo, ed. Mimética). A versão original está disponível gratuitamente no Internet Archive, mas não me sinto confiante para ler ficcção em inglês. Trago aqui as duas citações finais no original pois são tão lindas:

Trecho orginal sobre a sensação de abrigo: ”Maggie  in  her  brown  frock,  with  her  eyes  reddened  and  her heavy  hair  pushed  back,  looking  from  the  bed  where  her father  lay,  to  the  dull  walls  of  this  sad  chamber  which  was the  oentre  of  her  world,  was  a  creature  full  of  eager,  passionate longings  for  all  that  was  beautiful  and  glad  ;  thirsty  for  all knowledge ;  with  an  ear  straining  after  dreamy  music  that died  away  and  would  not  come  near  to  her ;  with  a  blind,  unconscious yearning  for  something  that  would  link  together  the wonderful  impressions  of  this  mysterious  life,  and  give  her soul  a  sense  of  home  in  it. “

Trecho orginal sobre não ter nada de sólido sob os pés: “No  wonder,  when  there  is  this  contrast  between  the  outward and  the  inward,  that  painful  collisions  come  of  it. I  can’t  set  out  on  a  fresh  life,  and  forget  that :  I  must  go  back to  it,  and  cling  to  it,  else  I  shall  feel  as  if  there  were  nothing firm  beneath  my  feet.” 

Sobre a música do Caetano: Refiro-me ao verso “É tudo só brincadeira e verdade” da canção “Tá combinado”. Aqui a letra e o canto na versão de Betânia.

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Listinhas para passeios, viagens e afins

“A distância é curta quando se tem um bom motivo.” (Jane Austen)

Quando as crianças eram pequenas, havia tantas coisinhas essenciais na hora de sair de casa que acabei criando pequenas listas com os itens que não podia esquecer. Comentei isto em outro post e fiquei devendo para a Késia, leitora querida do blog. Ela já viajou e já voltou, mas quis cumprir a promessa mesmo assim.

Quando Antônio e Alice eram menores, uma das nossas brincadeiras bobas era a de ler as circulares da escola em voz alta. Eu fazia uma voz de mordomo-de-peça-de-teatro e lia cada detalhe como se fosse um comunicado do Rei convidando as irmãs da cinderela para o baile. Fazíamos isso também com os manuais da escola. Eles morriam de rir e aos poucos passaram a ler também fazendo suas próprias vozes especiais e interpretações.

Como todas as instituições, a escola tem suas regras: marcar roupas e materiais de estudo, identificar mochilas, levar lanches e bebidas etc. Mas uma mania da escola deles era insistir na inclusão de sacos plásticos. Pequenos passeios ou alguma viagem educativa vinham sempre com o pedido de envio de “sacos plásticos” para cada peça de roupa e mais alguns extras para o caso de roupas sujas ou molhadas. As crianças caíam na gargalhada sempre que chegava nessa parte do texto. Para eles era engraçadíssimo precisar de um saco plástico preventivo, quiçá vários! Então, como vocês podem imaginar, tornou-se um bordão aqui de casa: viagens ou passeios sempre precisam de sacos ou sacolas plásticas em abundância. E nisso já se salvaram da chuva, já resgataram peças encharcadas e ajudaram amigos. (Sei que é ecologicamente incorreto, mas também estou certa de que não são os poucos plásticos de uma criança que ameaçam o planeta terra e sim as práticas poluentes em escala industrial.)

Dito isso, e atualizando para o momento da adolescência, vamos às listas

Ida à praia ou à piscina: Bolsa de praia, canga, chinelo, boné ou viseira, filtro solar, repelente de mosquito, creme de cabelo, protetor labial, pente ou escova, óculos de sol e óculos de natação, brinquedos ou livro, muda de roupa seca para trocar, saco plástico para roupa molhada, kit para tomar banho. Se for o caso: toalha própria, telefone, fone e carregador de celular. Bóia de braço, bóia de brincar ou piscininha em caso de crianças pequenas. Garrafa que mantém a água gelada.

Adolescentes saindo para ir na esquina: Chave de casa, documento da escola ou cópia da identidade, dinheiro, cartão de transporte público, telefone celular. (Sim, esta lista é necessária até uns X anos.😁)

Jovens indo pro carnaval no Rio de Janeiro: Tudo da lista acima, menos o telefone!

Criança passando a noite na casa do amiguinho ou em passeio com a escola: roupa íntima, meia, roupa de dormir, calça ou short, camiseta, casaco, boné, chinelo ou tênis. Multiplicar calcinhas, cuecas, meias e camisetas pelo número de noites. Calça e casaco extras se for o caso. Incluir biquini ou sunga e todos os itens da lista de praia se tiver essa parte. Adicionar saco plástico para roupa suja. Colocar uma foto ou um bilhetinho de amor (no meu caso, da mãe) na mochila, assim como telefones importantes, cópia de documento (se for longe, também autorização de viagem e plano de saúde). Extras: travesseiro ou bichinho de estimação, itens para cabelos, brinquedos e coisinhas que as crianças gostem. Remédios de uso contínuo separados para serem entregues para os responsáveis no lugar de destino.

Viagem de pré-adolescente ou jovens adultos: Tudo da lista acima e mais os itens a seguir: documento de identidade original, autorização de viagem (menores de 18 anos), carteira com cartão de crédito ou débito, carteira do plano de saúde (se ainda tiver carteirinha física), dinheiro, informações “em caso de emergência” (telefone de responsáveis, indicação de plano médico, doença ou alergia, telefone de um médico de confiança). Informações sobre o transporte (passagem, dia, horário de ida e volta, checkin feito, se for avião), hospedagem (endereços, contatos, como chegar), ingressos previamente comprados, itens específicos relacionados ao objetivo da viagem. Colocar xerox de documentos importantes em outro local da mala (longe da carteira de bolso). Ter foto de todas essas informações com acesso fácil no celular. Antes de sair de casa: verificar a lista de viagem de criança acima e se está com telefone, carregador, fones, kits de banheiro (ver abaixo), livros, caderno e canetas. Guarda-chuva e capa de chuva podem ser úteis.

Desenho Alice Kuschnir, 2023

Viagem longa: Adicionar cadeado na mala, passaportes, autorizações de viagem, moeda estrangeira e seguro viagem, cartão de vacinas.

Kits de banho, higiene e acessórios: escova de dente, fio dental, desodorante, sabonete, xampu, condicionador, creme de pentear, escova de cabelo, filtro solar, repelente, lenço umedecido, lenço de bolsa, álcool gel, creme corporal, absorventes, camisinhas, máscaras, item de depilação, elásticos e acessórios de cabelo e de aparelho de dentes, se tiver. Batom, itens de maquiagem e produto para tirar, cuidados de pele (sou do tempo que não se falava “skin care”). Costumo colocar os líquidos em potinhos menores para não ter muito volume. Colocar tudo em bolsa impermeável. Se for de avião, ter saquinho tipo ziplock transparente para os itens de bolsa.

Remedinhos: Pomadas para alergia a mordida de mosquito (usamos desonida), pomada antiinflamatória (tipo nebacetin), remédio para dor (paracetamol, ibuprofeno ou novalgina), protetores de machucado (tipo bandaid), termômetro, remédio para cólica ou enjôo (tipo vonau flash, se for o caso), remédio para azia (tipo pepsamar), colírio, soro nasal e outros remédios que a pessoa use com frequência.

Para o frio: Gorros, luvas, cachecóis, casaco melhor, meias grossas, roupa de baixo térmica. Protetor labial e cremes corporais extras.

Comidas que não se pode passar sem: Matte solúvel (eu!). Para os viciados, lembrar que não tem erva mate nem mate em muitos locais desse país e do mundo. Levar chocolates, chás, comidas veganas, comidas sem glúten ou lactose, pipocas, chicletes, balas, pastilha de hortelã ou gengibre, biscoitos, sanduíches, granola, frutas, frutos secos, vegetais de fácil transporte, cereais, pães e comidas de café da manhã.

Mãe levando criança doente para atendimento hospitalar: Pano tipo pashmina quentinho para aguentar o frio das salas de espera ou para a criança deitar no seu colo; telefone ou Ipad com bateria extra e carregador para aguentar o tempo de espera; água, suco ou lanche que possa ajudar se demorar muito; livro ou brinquedo; lenço de bolsa, saco plástico e lenço umedecido em caso de idas ao banheiro ou vômito; carteira do plano, cartão de vacina, contato médicos e exames prévios, se tiver. Máscara facial extra em caso de doença respiratória.

Itens aleatórios ou as manias de cada um: Travesseiro caseiro ou uma fronha de casa (eu preciso do cheiro da minha cama!), bijuterias, relógio de pulso, óculos reserva ou de leitura, lanterna, rede mosquiteira, chaleira elétrica, bolsa dobrável leve para o caso de a bagagem da volta aumentar. Instrumentos musicais como gaita, flauta, violão, afinadores, pastas de músicas (isso caiu com os aplicativos de celular; na nossa listinha original tinha Ipod!). Livros de colorir, diário de viagem, caderno de desenho, estojo de aquarela, pincéis. Fita crepe e elásticos de escritório para fechar embalagens e remendar algo. Pochete, ecobag, mini banquinho. Fio de varal, sabão para lavar roupas.

Checklist da hora de sair de casa: escova de dente, pasta de dente, desodorante, aparelho de dente, carteira com documentos, chaves, carregador de celular, celular, fones de ouvido.

Não me convidem para: Acampamentos! E vocês?

Ufa, já estou exausta só de pensar. Não faço viagem longa desde 2017. Fiz duas mini-viagens pra serra e São Paulo. As listinhas acima estavam bem mais emboladas. Acabei me empolgando na organização. Espero que sejam úteis! Depois me contem.

Boas viagens, pessoas queridas! ☼

Sobre a citação: “A distância é curta quando se tem um bom motivo” está na tradução de Lúcio Cardoso de Orgulho e Preconceito, obra de Jane Austen editada pela Abril Cultural em 1982. Como boa fã de Jane, fui comparar versões e vi que a frase é diferente na tradução de Alexandre Barbosa de Freitas para a Penguin-Companhia das Letras, tornando-se: “A distância não é nada, quando se tem um motivo”, fiel ao original: “The distance is nothing, when one has a motive”. Mesmo reconhecendo a incorreção, adorei o “bom motivo” que afinal era Elizabeth ir a pé por três milhas (quase 5 km) para visitar a irmã doente. Ela não levou nada das listas acima: só um xale. Ficou enxarcada e, se não me engano, vestiu roupas emprestadas até que as suas secassem.

Sobre os desenhos: Ambos vieram do caderninho Laloran. Do lado esquerdo, colei o desenho e o bilhetinho da Alice. Na direita, registrei um estojo de viagem que ganhei de uma tia querida há anos. Linhas com canetinha Pigma Micron 0.05 ; cores feitas com aquarelas, lápis de cor, um pouco de guache e canetinha de gel branca. Tem um reels dessa pintura no meu Instagram.

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Como citar: Kuschnir, Karina. 2023. “Listinhas para passeios, viagens e afins“, Publicado em karinakuschnir.com, url: https://wp.me/p42zgF-42h. Acesso em [dd/mm/aaaa].


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Respirar, escrever, pontuar. E feliz dez anos do blog!

Já nas alturas, pára e respira. Quão difícil é subir a um monte. Que difícil é a busca de um espaço. Que difícil é a busca de si própria. Chamou a si todas as forças e continuou a subir.” (Paulina Chiziane, O alegre canto da perdiz, p. 211)

A maior dificuldade de escrita dos estudantes é com a pontuação. Não sei se sempre foi assim. Será que é mais um dos sintomas de pandemia prolongada. O ar nos faltou tanto que temos dificuldade de parar para respirar de novo.

Vou dar um exemplo. Pedi para os alunos descreverem acontecimentos do seu cotidiano. No trecho abaixo, demonstro os sinais da enfermidade (com redação fictícia):

“A consulta médica foi como esperado, conversamos sobre os sintomas e houve uma espera menor do que da outra vez e aí minha mãe chegou após o trabalho, e tivemos que ir ao ponto de ônibus mas não estava tão quente e foi agradável segurar sua mão e sentir seu apoio.”

Dá para entender? Dá. Mas pobres leitores! O problema é que 90% dos estudantes escrevem assim. Não é falta de conteúdo, na minha opinião. É falta de ar, de pausa, de respiração. Também não é pouca leitura. Eles lêem muito, mas lêem correndo, como escrevem. Tudo é com pressa, como os vídeos do Tik Tok.

Não tenho esse aplicativo, mas há uma tiktokização das outras redes sociais: o reels do Instagram, os shorts do YouTube. Eu tinha jurado que nunca veria um “shorts”. E ontem fiquei hipnotizada por uma hora nessa armadilha.

Costumo pesquisar dúvidas no YouTube, conforme aprendi com meus filhos. O microondas aqui de casa está sempre com a hora certa por isso. Agora até o YT responde com mini-vídeos. E depois que você vê o primeiro não consegue mais parar. É como um grande parágrafo sem ponto.

Não adianta chamar um teórico da literatura para dizer que é “fluxo da consciência”, porque você não pensou nada daquilo. O algoritmo pensou por você e te tragou para dentro dele. Aconteceu comigo ontem. Não sei o que fiz entre as 22 e as 23 horas.

Acordei de ressaca, ansiosa por um antídoto. Revi leituras das últimas semanas. E cheguei às palavras de Paulina Chiziane que abrem esse post: que difícil é viver, lutar, cansar, parar e mesmo assim continuar. Sento para escrever. Criar é uma cura.

Respiremos!

Dez anos de blog — Obrigada!

No dia 6/11/2023 foi aniversário de 10 anos deste blog! ♥️ Obrigada por estarem aqui, pela companhia desde 2013, pelas dezenas de conversas e calmaria. Agradeço o carinho! Eu tinha me programado para escrever um post bem especial sobre concursos em comemoração, mas meu gatinho Charlie ficou doente. Ele já está bem. Em breve o post sai. Será uma parceria com a Manó (@itsme_mano) surgida no nosso grupo no Telegram, Abraço acadêmico.

Que nosso sonho de uma vida acadêmica mais cooperativa e solidária continue gerando frutos! Obrigada por tudo 💌

Projeto “Como escrever um texto em 8 meses” (Semana 4/36) — Desde o último post, escrevi zero palavras! Hahaha. Foi produção de feriados, gatinho doente, leituras de romances e sequestro de mini-vídeos. Ah, tenho a desculpa de que Alice fez Enem! Serve? Não, né? Foi ela quem fez as provas. Minha curva de produtividade só não está pior porque eu pensei. Sim, gente, pensar cansa e dá trabalho. Requer respiração e amadurecimento. Consegui decidir o tema do que pretendo escrever. Já contei para vocês que este será o texto da minha promoção para professora titular? Eu estava com receio de me expor. Mas decidi que não faz sentido fazer um diário de escrita sem explicar o que me espera no final do projeto. Ano que vem completo o tempo de docência necessário para concorrer ao cargo na UFRJ. Preciso escrever um memorial e uma conferência. O primeiro não me preocupa (sou uma otimista para textos pessoais). Já a segunda tem que ser algo publicável. Como diria o Juva, tem que ter brios. Vamos a isto.

Sobre a citação de Paulina Chiziane: Trecho da página 211 (versão eletrônica) do romance “O alegre canto da perdiz”, de Paulina Chiziane (edição Caminho, Portugal, 2008). É o segundo livro dessa autora maravilhosa que conheci por indicação da querida Sarah Toledo, do Sarices. O blog dela está em pausa, mas tem posts maravilhosos sobre literatura lá. E a Sarah também é professora de espanhol. Da Paulina Chiziane, li também o Niketche. São excelentes e muito diferentes um do outro. Adorei ambos, mas acho que prefiro o estilo mais realista e engraçado de Niketche.

Sobre o desenho: Caixinha usada de lenços Kleenex feita com canetinha 0.05 (bem gasta) da Pigma Micron. Trouxe a imagem da página inteira (acima) porque esse desenho foi feito em um bloco Canson A5, papel branco 90gr, que não se encontra mais pra comprar. As cores foram feitas com lápis de cor. Adoro desenhar objetos do cotidiano e perceber seus detalhes. Vocês já tinham lido a legenda “dia a dia” abaixo da marca? Enquanto desenhava, escrevi algumas notinhas sobre o Juva em janeiro de 2022. Foi muito triste de reler, mas a Paulina Chiziane me socorreu:

“Amar é também abrir a mão e deixar partir. Amar é ganhar e perder. É aceitar semear-se para germinar noutra encarnação.” (Paulina Chiziane, O alegre canto da perdiz, p. 77)

Você acabou de ler “Respirar, escrever, pontuar. E feliz dez anos do blog!”, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 

Como citar: Kuschnir, Karina. 2023. “Respirar, escrever, pontuar. E feliz dez anos do blog!”, Publicado em karinakuschnir.com, url: https://wp.me/p42zgF-41P. Acesso em [dd/mm/aaaa].


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Seis dicas para ouvir e transcrever textos falados — ou como depender menos dos olhos na vida acadêmica

Óculos de brinde para ler muito de perto (aquarela @kk)

“…os meros fatos oculares podem ser enganosos. Feche os olhos, meu amigo, em vez de arregalá-los. Utilize os olhos do cérebro, não do corpo. …o senhor faz deduções a partir de coisas que viu. Nada pode ser tão ilusório quanto a observação.” (Poirot, em Morte nas nuvens, Agatha Christie)

Taí um livrinho antigo que valeu demais reler, ou melhor, ouvir! Depois de duas cirurgias e sete encrencas nos olhos em 2023, aprendi a utilizar vários aplicativos e sites para driblar esse mundo retinocêntrico da vida acadêmica. Compartilho com vocês, contando um pouco do que me aconteceu.

Precisei fazer uma cirurgia de retina de emergência em abril, com direito a gás e cinta de silicone no olho esquerdo. Foram 45 dias de bruços para a recuperação. Sim, vocês leram certo. De bruços.

1. Natural Reader – https://www.naturalreaders.com/online/ – De longe a melhor descoberta de 2023! É um aplicativo, site e extensão para o Chrome que lê textos da internet ou de arquivos doc, pdf e epub. Tem versão gratuita ou paga. A diferença é na qualidade das vozes. Todas são boas, só que as plus ou premium soam mais naturais. Fiz uma assinatura, mas Antônio usa e adora a versão gratuita. Tem vozes em 20 línguas, com recurso de highlight, anotação, pronúncia, pular cabeçalho, ajustar velocidade, marcar página e tornar fotos legíveis.

O NR é o app mais utilizado do meu celular. Já ouvi milhares de textos com ele: relatórios, projetos, teses, artigos e meus amados livros inteiros. Já passam de cem em seis meses. Ouvi desde Agatha Christie e auto-ajuda até obras de Maya Angelou, Beatriz Nascimento, Yaa Gyasi, Zora Hurston, Franz Fanon, Grada Kilomba, Edward Said, Virginia Woolf, Carolina de Jesus e Saidiya Hartman. Escutei autores antigos e colegas com livros no prelo, artigos ou dissertações.

No início, achei que o NR viria apenas me socorrer em um momento difícil. Meses depois, não consigo me imaginar vivendo sem a voz literária que ele me traz. Nem tudo ouço em qualquer lugar. Uma reflexão densa como a de “Silenciando o passado”, de Michel-Rolph Trouillot, precisa de concentração. Já o manual de anti-autoajuda “Quatro mil semanas”, de Oliver Burkeman, posso ouvir limpando a caixa dos gatos, lavando louça ou esperando o metrô. Já autoras como Angelou, Nascimento e Kilomba escrevem tão bem que tornam qualquer situação especial.

Uma utilidade bem-vinda do NR é reavivar a memória de textos já lidos. Revisar os materiais de aula deixa de ser entediante. É assim que estou relendo Truques da Escrita e os artigos indicados nas disciplinas do semestre. Recorro ao app também para ler rapidamente textos de estudantes e fazer a última revisão nos meus próprios escritos. O som ajuda a detectar na hora errinhos de digitação ou repetição de palavras, por exemplo.

Paninho da ótica Vista Nova (aquarela @kk)

2. Outras formas de ouvir textos – As ferramentas de leitura de texto em voz alta estão em vários softwares, sites e gadgets. Por meio do menu “Acessibilidade”, o Google (Google Docs e família) lê textos no celular e no Chrome. O problema é configurar as muitas etapas e ainda separar a informação a ser lida. O Word (seção Revisão, opção “Ler em voz alta”) tem boas vozes e uma leitura agradável, mas converter tudo em .docx não seria prático nem viável! O mesmo com todos os apps da Adobe (a empresa mais chata do mundo). Alguns modelos de Kindle lêem os textos, assim como apps do sistema iOS. A plataforma Substack e jornais como New York Times têm opção de play. Há os audiolivros — gratuitos e ruins, ou caros e chatos, hahaha. Há outras extensões de leitura para navegadores, como Read Aloud. Testei várias e, na minha experiência, nenhuma é tão boa, simples e eficiente como a Natural Reader.

3. Transcrição de textos com Telegram – Basta mandar um audio para o usuário @transcriber.bot do Telegram que seu texto será transcrito. É gratuita e ainda faz pontuação sem você ter que ditar “ponto” e “vírgula”. Ao contrário dos microfones do Google, a transcrição do Telegram têm uma excelente formatação no português. Na versão grátis, minha experiência é de bons resultados com audios de até 20 minutos. Em alguns horários pode falhar, mas é só enviar novamente. Na versão Premium (paga) do aplicativo, há uma opção de transcrever ao lado de todos os áudios. Testei por um mês; é ótima e estável. (Aprendi essa dica com a Hannah. Obrigada, flor!)

4. Transcrição de textos com Transkriptor – https://app.transkriptor.com/signIn – Esse é um serviço online de gravação e transcrição de áudio profissional. Há amostras grátis e assinaturas de várias quantidades de tempo (a minha é a básica, de 300 minutos por mês). Eu nem precisava assinar, mas não resisti, tamanha a minha felicidade em ver a qualidade do texto. Pensei nas centenas de horas que gastei com transcrição das minhas entrevistas etnográficas; e as outras dezenas de gravações de diários de campo que me causaram tendinite no doutorado.

Para mim, o melhor uso desse tipo de serviço é poder transcrever os áudios de trabalho. Desde que comecei meus problemas oculares, passei a fazer a primeira versão dos meus textos gravando ideias no Whatsapp ou direto no app do celular. Também já fiz sessões de orientação gravadas com alunos. Depois, é só mandar transcrever tudo e, como num passe de mágica, temos 8, 10, até 15 páginas de rascunho digitadas. Economiza tempo, energia e muitas tensões corporais! (Agradeço essa dica à querida Marize, amiga do grupo de apoio que mantenho no Telegram chamado Abraço Acadêmico. É só nos procurar lá ou clicar aqui.)

5. Transcrição de textos em outros apps – Teclado do Google (celular), Google docs (no celular ou navegador), Word (opção “ditado do Office”) e vários outros softwares e aplicativos transcrevem textos falados. O problema deles, na minha opinião, é a má qualidade da pontuação e a pouca praticidade. Talvez o menos piorzinho seja o do teclado do Google. Nos telefones Samsung, ir nas configurações, procurar “teclado padrão” e mudar para “Gboard” (pois é, nomezinho ridículo). Nos outros celulares deve ter um caminho parecido. Acho que vale para textos rápidos, mas não supera o serviço gravação-transcrição.

Journalist Studio, da Google – https://journaliststudio.google.com/pinpoint/collections – Esse seviço também promete transcrever audios e muitas outras habilidades. Foi dica de uma aluna que ainda não testei.

6. Dica bônus – traduzindo PDFs inteiros – Sabe aquele PDF interessante que veio em uma língua que você não sabe ou está com preguiça de ler? Então, agora o Google Tradutor permite que a gente envie um documento inteiro e o receba de volta em português. Eles colocaram novas abas: “Imagens”, “Documentos” e “Sites” na página inicial https://translate.google.com.br/?hl=pt-BR. Basta arrastar ou fazer o upload do arquivo para ter o conteúdo traduzido na língua que quiser. Estou começando a usar e achando promissor. Já penso nos artigos a traduzir para as disciplinas da graduação sem gerar sofrimento.

É isso, pessoal. Um viva aos sons! Boas gravações e audições para vocês. Depois me contem o que acharam. ♥

Projeto “Como escrever um texto em 8 meses” — Desde o último post, escrevi 1368 palavras. Piorei em relação à média anterior. Meu maior feito foi abrir um arquivo de 900 páginas e conseguir ler as primeiras 100 (no NR, claro). Preciso reservar um dia na semana para esse projeto.

Sobre a citação de Agatha Christie: Frases de Poirot na página 77 do romance “Morte nas nuvens”, de Agatha Christie (edição da L&PM Pocket, tradução de Henrique Guerra.)

Sobre os desenhos: Linhas com canetinhas Pigma Micron de várias espessuras no caderninho Laloran. Cores feitas com aquarelas, lápis de cor e um pouquinho de guache. Ganhei os óculos vermelhos de brinde da ótica Vista Nova, no Jardim Botânico (Rio de Janeiro). Conseguir uma receita correta e lentes funcionais para os meus olhos pós-cirurgia foi uma saga de quatro meses. Minha primeira aquarela pós-alta foi justamente a que abre esse post, seguida da outra, com o lencinho da ótica. Achei significativo desenhar os objetos que foram me trazendo de volta ao mundo dos videntes.

Você acabou de ler “Seis dicas para ouvir e transcrever textos falados — ou como depender menos dos olhos na vida acadêmica”, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.wordpress.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 

Como citar: Kuschnir, Karina. 2023. “Seis dicas para ouvir e transcrever textos falados — ou como depender menos dos olhos na vida acadêmica“, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: https://wp.me/p42zgF-41A. Acesso em [dd/mm/aaaa].


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Você não está sozinha

(…) como se fosse um dever / do artista criar / esperança, mas por quê? por quê? / a própria palavra /
falso, um dispositivo para refutar / a percepção – No cruzamento, // luzes ornamentais da estação. / Eu fui jovem aqui. Andando / de metrô com meu livrinho / como se me defendesse // desse mesmo mundo: / você não está sozinha, / dizia o poema, / no túnel escuro.
(Outubro, Louise Glück, trad. N. Santander)

Desde que o Juva morreu, senti muita necessidade de ficar sozinha. Não que eu fosse a pessoa mais sociável do mundo. Quem me conhece vai revirar os olhos: “você sempre foi assim”, zoa uma amiga. Não sei. Eu era a inocente “de metrô com meu livrinho”, como diz o poema. O luto sobrepôs uma camada sobre tudo. Sabem aquele glacê com tanto açúcar que parece cimento e ninguém aguenta comer? Alguns definem luto como “o vazio”; pra mim é “o cheio”: ocupa, preenche, inunda.

Em outubro, comecei a perceber uns espaços. Quis doar livros e tralhas, desmontar móveis, esvaziar gavetas, aceitar um convite. Fui a duas reuniões presenciais, participei de uma assembléia. Desfiz meu mini escritório de casa. Troquei duas mesas grandes por uma pequenina. Pendurei a tão sonhada rede no lugar. Uma parte eram os nossos planos; outra parte tive que inventar sozinha. Mas não digo só: Alice e Antônio me ajudaram. ♥ Taí como ficou.

Não sou boa de esquecer o passado. Amo coisas antigas. Coleciono, cultivo, colo e desenho nos cadernos. Imagina o amor. O amor que o Juva insistia que era dentro e eu que era fora. Como se ele já soubesse. Que um dia eu ia precisar aprender isso. Tá sendo na marra, mas tô aprendendo.

Uma metade cheia, uma metade vazia / Uma metade tristeza, uma metade alegria
A magia da verdade inteira, todo poderoso amor (Chico Buarque)

Este não é um post triste. O poema chegou pelo zap, por um amigo. Falávamos da guerra. Todos colocaram carinhas tristes, mas para mim foi emoji de coração. Foquei na esperança, como o dever da artista, na pergunta de Louise Glück. Esperança por mim, por vocês, por todas as criaturas que um dia perderam seu chinelo real ou metafórico por aí. Aconteceu isso com a Havaiana que abre o post. Era nossa queridinha, mas partiu-se o par. Compramos outro correndo. Não estava no tamanho certo nem era alegre como ela.

Hoje esse é disputado por aqui. É a alegria de quem chega precisando de um chinelinho extra para caminhar.

Bons caminhos, pessoas queridas! Até semana que vem. ☼

Projeto “Como escrever um texto em 8 meses” — Desde o último post, escrevi 1557 palavras em três dias. Pois é, falhei. Quer dizer, mais ou menos. A meta era 300 palavras por dia e fiquei em 259,5. Viram como rende? Essas mil reuniões tiveram seu custo para a escrita pois cheguei tardíssimo em casa, exausta. Quando a agenda estiver assim, preciso escrever de manhã. Digo isso em voz alta para ver se meu cérebro noturno escuta! Voltando ao tema: foi muito produtivo começar a escrever. Há uma semana atrás eu estava perdida sobre o que queria fazer e como. A escrita tirou muitas coisas do caminho, colocou outra e — o principal — me fez ter ideias no metrô, no banho, na hora de dormir. Conversei com um amigo sobre o que escrevi. Saí do zero. Vislumbro pequenas tarefas. Decidi minha primeira leitura. Abri uma pasta no computador. Micro avanços. Semana que vem volto aqui para contar. (Se você não tem ideia do que estou falando, veja o post inicial da semana passada.)

Sobre a citação de Louise Glück: Recebi o poema Outubro, de Louise Glück, no original em inglês, em um grupo de amigos do zap. Achei a tradução do Nelson Santander do blog Singularidade Poética, do maravilhoso Paulo Henriques Brito. A íntegra do poema nas duas línguas aqui.

Sobre a citação do Chico Buarque: Quando comecei a escrever sobre o luto ser cheio, a canção do Chico falando sobre o copo vazio começou a tocar na minha mente. Fui ler e descobri que também falava de amor. ♥

Sobre a reorganização do mini-escritório no quarto: Quase tudo do novo espaço de trabalho é reaproveitado. A rede era da Alice, a mesinha de apoio era do Juva. A luminária, o tapetinho, a cadeira e duas prateleiras já eram minhas. A impressora tá escondida embaixo da mesa em um banquinho antigo também. As coisas que comprei foram uma mesa da Huma, via Magalu (r$316+frete) e uma prateleira extra para os gatos subirem nas outras duas (r$23,00, Palácio das ferramentas, metrô Uruguaiana). Gastei um pouco com acessórios de ferragens: gancho para rede, parafusos, mão francesa e feltro adesivo para a prateleira. Por sorte, gosto de ferramentas e já tinha furadeira e até uma aparafusadeira —esta comprada para montar e desmontar as mil estantes do Ju, daquelas de ferro com milhões de porcas e parafusos. Essa maquininha salva vidas e é super divertida de usar!.

Sobre os desenhos: Linhas com canetinhas Pigma Micron de várias espessuras no caderninho Laloran. Cores feitas com aquarelas, lápis de cor e um pouquinho de guache. Na página do chinelinho preto, tem uma etiqueta colada. São ilustrações de antes do luto, de janeiro de 2022. Levei vários dias debruçada sobre esses objetos tão cotidianos e bonitos. Fico emocionada só de olhar a havaianinha florida. Vocês também se sentem assim quando tem que jogar fora uma coisa amada? Ou são mais doidos do que eu e guardam no fundo do armário? Me contem, por favor!

Você acabou de ler “Você não está sozinha“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.wordpress.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 

Como citar: Kuschnir, Karina. 2023. “Você não está sozinha“, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: https://wp.me/p42zgF-41h. Acesso em [dd/mm/aaaa].


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Laboratório de escrita – Fã ou Hater – Ideia para aula lúdica (6 – Parte 2)

Vamos à Parte 2 da aula lúdica que fiz para a disciplina de Laboratório de escrita. Materiais e dinâmicas propostas estão na Parte 1, assim como a análise das duas primeiras perguntas.

Aqui chegamos ao que mais me interessava: como os estudantes se sentem em relação à escrita e à leitura na faculdade de Ciências Sociais? (As respostas são anônimas.)

Pergunta Verde — Como foi sua experiência de escrita mais positiva durante a faculdade? E a mais negativa?

No lado positivo, salta aos olhos que os alunos amam escrever sobre temas que lhes interessam. O mesmo ocorre quando conseguem vencer desafios, tipo “escrever um texto de 10 páginas”, ou conectar autores como “Freud e Lélia Gonzalez”. É desses trabalhos de vulto que eles se orgulham, e ainda mais se tiverem um retorno positivo por parte dos professores. Outra alegria é quando descobrem fontes e métodos, como pesquisar na hemeroteca da Biblioteca Nacional pela primeira vez.

Em relação às experiências negativas, a turma se dividiu entre três queixas principais: a) dificuldade com prazos (a maioria!); b) desgosto com autores e temáticas; c) rejeição a formas acadêmicas, como provas, resumos, formatações complicadas, trabalhos em grupo. Confesso que me surpreendeu ler apenas duas respostas sobre desafios emocionais (depressão e insegurança). Talvez esse tema tenha sido encoberto pelo problema dos “prazos”, com frequência ligado à ansiedade e outros sentimentos difíceis.

Ou seja, profs queridas, para estimular escritas, precisamos dar espaço para eles explorarem escolhas e fontes, mas lembrando de desafiá-los com propostas ambiciosas. Para dar certo, isso tem que vir embalado com cronograma e apoio para redigirem em etapas, sem deixar tudo para o último dia.

Resumindo, é o básico que a gente também precisa, né? Eu pelo menos queria uma prof assim! 😉

Pergunta Laranja — Fã ou Hater — Qual a sua experiência de leitura mais positiva durante a faculdade? (De quais autores você é fã e por que?) E a mais negativa? (De quais autores você é “hater” e por que?)

Essa pergunta trouxe uma contra-estatística maravilhosa do mundinho “das humanas”. As autoras mais amadas são mulheres negras: Lélia Gonzalez, Bell Hooks, Conceição Evaristo, Patrícia Hill Collins, Grada Kilomba, Sueli Carneiro. (Já os mais citados homens foram Paulo Freire e Franz Fanon). Dá para sentir o motivo… As escritas preferidas têm “sensibilidade” para tratar de “problemas do cotidiano”, geram “identificação”, trazem “vivências” próximas e “representatividade”. Como escreveu uma aluna: “lendo Conceição Evaristo me sinto ouvida, contada, vista”.

Em termos de forma, os estudantes preferem “textos simples que conseguem tratar de problemas complexos”, como concluiu o time Laranja. Querem escrita fluida clara, leve, vívida, original, compreensível, coesa, direta, sistematizada, de fácil entendimento, “sem perder a profundidade teórica”.

Falando assim parece tão simples. Só que não é! Haja revisão.

E chegamos aos “haters”. Pierre Bourdieu ganhou de lavada a corrida dos mais detestados, ainda que tenha tido um fã. Foi seguido por outros como Hegel, Durkheim e Gilberto Freyre — este associado ao racismo.

A turma foi direta na descrição do que desgosta: autores pedantes que escrevem textos pretenciosos, rebuscados, enigmáticos, enrolados, truncados, pesados, artificiais. São difíceis de entender e, por isso, dificultam a concentração na leitura. Além do racismo, a literatura acadêmica foi relacionada ao “academicismo”, “descritivismo” e “formalismo”. Um estudante resumiu bem: não gosta de textos que ficam “dando voltas e não dizem o que querem dizer”. Errado não está, né?

Confesso que até tentei defender Bourdieu, mas lembrei da época dos meus estudos para o mestrado em que chamei um amigo francófilo para me ajudar a lê-lo. Era um artigo publicado no auge da sua fase rebuscada. Meu professor olhou praquilo e disse: “isso não está em francês não!” Se ele que dominava a língua não estava entendendo nada, que chance eu teria? Deixei pra lá e rezei. (Deu certo.) Anos depois descobri que havia outros “bourdieus” e, embora não seja fã, consegui entender suas ideias.

Voltando ao assunto: concordo com tudo que a turma diagnosticou! Por isso nossos livros-chave para o Laboratório de redação são “Truques da escrita” de Howard S. Becker, “Quarto de despejo”, de Carolina de Jesus e “Cartas a uma negra” de Françoise Ega. A explicação para esse trio fica para um próximo post!

Boas aulas, pessoas queridas!

PS: Qual o objetivo disso tudo? Ao longo do semestre, essa aula consolida os critérios dos próprios alunos para revisão dos textos deles mesmos. Na prática, eles se dão conta de que precisam revisar muito para atingir os seus ideais de escrever bem.

Projeto “Como escrever um texto em 8 meses” — Conforme prometi no Instagram, vou escrever sobre o processo de produzir um texto acadêmico que preciso entregar daqui a 8 meses. Tem que ser algo inédito e decente. Começo esse diário de escrita com meu problema inaugural: sobre o quê devo escrever? Sou eu que decido o tema. Já consultei filhos, colegas, estantes e ainda não sei. Resolvi seguir a máxima que o Ju tanto gostava: escrever para saber o que eu gostaria de escrever se estivesse escrevendo! (Foi mais ou menos o que disse Marguerite Duras, H. Becker, Anne Lamott e um monte de gente que escreve sobre escrita.) Vou tentar seguir a ideia de escrever 300 palavras por dia, conforme disse que fazia no post Escrita Diária. (Às vezes me pergunto quem era essa Karina de 2017?) Prometo que volto semana que vem para contar.

Sobre a proposta das aulas lúdicas: Esse post é continuação da Parte 1. Mais ideias de aulas lúdicas aqui.

Sobre a ilustração: Apenas inverti a ilustração do post Parte 1 (a explicação está lá). Aproveito para contar que era assim que Leonardo Da Vinci (1452-1519) escrevia em seus cadernos. Os alunos acharam que eu estava brincando, mas é verdade, como explica esse simpático blog.

Você acabou de ler “Laboratório de escrita – Fã ou Hater – Ideia para aula lúdica (6 – Parte 2)“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.wordpress.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 

Como citar: Kuschnir, Karina. 2023. “Laboratório de escrita – Fã ou Hater – Ideia para aula lúdica (6 – Parte 2)“, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: https://wp.me/p42zgF-40VAcesso em [dd/mm/aaaa].


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Louça amiga ♥ Fazendo as pazes com a pia

Feriadão, preguiça, louça para lavar se acumulando? Quem se identifica levanta a mão!

Não posso reclamar: tenho a casa cheia como sempre sonhei. Além dos genros queridos, meus filhos têm amigos que nos visitam no almoço, no lanche e no jantar. Somos “a casa onde sempre tem comida”! Todo mundo abre a geladeira, fuxica os armários, se serve, fica à vontade.

De uns tempos pra cá, porém, o povo foi pegando intimidade. Volta e meia, sai todo mundo correndo para a rua com uma despedida marota: “Tchau mãe! Te amamos. Não se preocupa. Na volta a gente lava!”.

E lá fica a pobre pia, repleta de louça abandonada até o dia seguinte e além. Seguidas refeições, receitas mirabolantes e lanchinhos da meia-noite formam pilhas dignas de um sítio arqueológico.

Há três semanas, diante do caos, resolvi tomar providências. Não, não lavei a louça! 😉

Fui desenhar! Fiz a imagem que abre esse post e colei na prateleira que fica bem de frente para o crime. Logo em seguida, percebi que precisava fazer outra, até mais importante que a primeira:

Desde então, nossa pia recuperou sua identidade. Anda calminha e orgulhosa de mostrar sua pele lisinha e cheirosa de aço inox. Como nós, ela sente saudades do Juva. Ele era o ás da louça lavada (sempre com música) e o “rei da estocástica”, como adorava se autonomear. Ainda que estivesse cansado, organizava o caos.

Uma tática que deu certo aqui em casa durante a pandemia era só ter em uso o mínimo para cada pessoa. Um copo, um prato grande, um pequeno, poucos talheres e pronto. Isso reduzia muito a louça e nos obrigava a seguir o sistema “usou, lavou”. Mas dessa época não sinto falta. Prefiro mil vezes uma pia lotada, lembrando que somos mais felizes quando compartilhamos e comemos juntos. ♥

Boa lavação pra vocês!

Como brinde, estou deixando uma versão em alta resolução das imagens do post para vocês imprimirem. É só clicar aqui para baixar!

Sobre os desenhos: Papel de aquarela (era um restinho, por isso não sei qual a marca) desenhado com canetinhas Pigma Micron de várias espessuras. Cores feitas com aquarelas e lápis de cor.

Você acabou de ler “Louça amiga ♥ Fazendo as pazes com a pia“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.wordpress.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 

Como citar: Kuschnir, Karina. 2023. “Louça amiga ♥ Fazendo as pazes com a pia“, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: https://wp.me/p42zgF-40D. Acesso em [dd/mm/aaaa].


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Laboratório de escrita – Fã ou Hater – Ideia para aula lúdica (6 – Parte 1)

Para animar, resolvi adaptar uma antiga aula lúdica para começar bem o semestre com minha turma de Laboratório de redação. Como na aula “brincando de pesquisar”, o objetivo era conhecer os alunos. Dessa vez, porém, foquei nas suas experiências com leituras e escritas, antes e depois da faculdade.

Material necessário: Algumas folhas coloridas em quatro cores diferentes. Comprei um pacotinho de A4 na loja Caçula da Rua Buenos Aires, perto do IFCS. Algo parecido com esse aqui.

Dinâmica: Como foi feita a aula:

Avisos — As respostas são anônimas; não é para nota; não tem certo ou errado; conta como participação. Pedir que tentem ser bem específicos nas respostas.

Preparação — Pedir para alguns alunos ajudarem a cortar o papel A4 papel em 8 pedaços, até que todos da turma tenham um pedaço de papel de cada cor.

Quadro — Escrever as cores e as perguntas no quadro (ver abaixo).

Alunos — Pedi que os alunos respondessem nos pedaços de papel colorido. Cada papel recebe duas respostas: positivas + e negativas -. Alguns alunos responderam no mesmo lado; outros escreveram mais e utilizaram frente e verso. Não importa. Não é necessário copiar as perguntas.

Amarelo — Qual é a sua lembrança de escrita mais positiva antes de entrar na faculdade? E a mais negativa?

Rosa — Qual é a sua memória de leitura mais positiva antes de entrar na faculdade? E a mais negativa?

Verde — Como foi sua experiência de escrita mais positiva durante a faculdade? E a mais negativa?

Laranja — Qual a sua experiência de leitura mais positiva durante a faculdade? (De quais autores você é fã e por que?) E a mais negativa? (De quais autores você é “hater” e por que?)

Pote para depositar a resposta — Por conta de outras dinâmicas, tenho uma caixa preta com um buraco no meio que utilizei para ir coletando os papéis com as respostas.

Organização por cores e grupos —Todas as respostas coletadas foram misturadas na caixa. Em seguida, colocamos o monte de papéis no chão e separamos por cores. Dividimos a turma em quatro grupos e cada um ficou com uma cor. Eles acabaram chamando os grupos de “times”. Ficamos com aproximadamente 8 alunos por time/cor. Nesse momento é importante que eles movimentem as cadeiras para sentarem-se juntos de seus grupos.

Debate intra-grupos — Cada grupo leu todos os papéis da sua cor e fez uma análise qualitativa das respostas positivas e negativas. Depois, cada aluno do grupo escolheu uma resposta significativa da sua cor para ler em voz alta.

Exposição e debate com a turma — Organizamos as cadeiras em círculo para que a turma toda pudesse se escutar, mantendo os integrantes de cada time próximos uns dos outros. O resultado da análise de cada cor foi apresentado para a turma por um aluno escolhido pelo grupo, sendo essa explicação depois embasada com as leituras das respostas escolhidas para serem lidas. Seguimos a ordem dos grupos acima: amarelo, rosa, verde e laranja.

Análise das respostas

Time Amarelo — Minha lembrança mais positiva de escrita foi… Exemplos: “quando escrevi meu nome pela primeira vez na escola”; “quando escrevi meu nome ensinada por minha irmã”; “quando fiquei entre os melhores em um concurso de redação”; “quando escrevia crônicas em um projeto extracurricular”; “quando fiquei fascinada pela caligrafia da professora”; “minha primeira carta ao Papai Noel”; “quando aprendi inglês com minha mãe”; “quando escrevi meu primeiro poema de amor”; “quando escrevia cartas para meus primos”; “quando me sentia livre para escrever em meu diário”; e “quando utilizava materiais novos comprados pela minha mãe”… A mais engraçada foi “a primeira palavra que escrevi foi OVO”. 😀 Uma resposta comovente dizia que “na turma de alfabetização, quando todos liam as sílabas em conjunto, sentia um sentimento de comunhão”.

Foi emocionante ter acesso às memórias afetivas relacionadas a escrever, revitalizando a ideia de que essa já foi uma prática prazerosa para eles.

Se as lembranças positivas são diversas e específicas, as negativas relacionam-se a experiências de avaliações ruins. Ser julgado traz medo e insegurança: notas baixas ou “vermelhas”, letras “feias”, erros bobos, falhas de ortografia, comparação com colegas, desespero na redação do Enem, pressão dos pais.

Time Rosa — As memórias de leituras positivas antes de entrar na faculdade trouxeram autores como Machado de Assis, Drummond, Érico Veríssimo, Guimarães Rosa, Lygia Fagundes Telles, Jorge Amado, Carolina de Jesus, Fernando Pessoa, Victor Hugo, Salinger, Saramago… Os alunos mencionaram romances, suspenses, biografias, clássicos, escritas feministas ou Lgbt, quadrinhos, ficção mágica, não-ficcção histórica, poesia. A resposta mais aplaudida foi: “Ler meu nome na lista de aprovados de um exame”. E uma das mais tocantes foi a da estudante que lembrou do pai lhe ensinando o poema “E agora José?” de Carlos Drummond de Andrade.

As leituras mais lembradas como negativas eram livros específicos (tipo, não gostei de “O mago”) e aquelas feitas por obrigação, como manuais, livros famosos (tipo “O pequeno príncipe”) ou clássicos indicados pela escola. Foi interessante um estudante que mencionou ter odiado Machado de Assis no ensino fundamental e, do outro lado do papel, escrever que depois este se tornou seu escritor preferido. Como na pergunta anterior, aqui também apareceu o trauma gerado por métodos de disciplina rígidos e ríspidos.

(Tá muito grande, então, continua na Parte 2! Spoiler: a análise do time laranja foi a mais importante, por isso o post se chama Fã ou Hater)

Sobre a proposta das aulas lúdicas: Dizem por aí que toda antropóloga é uma fofoqueira profissional. Assumo o título! Já escrevi que virei fotógrafa, jornalista, pesquisadora, professora e desenhista porque gosto de gente. Amo detalhes, nomes, histórias, gostos e desgostos. Além do mais, como professora, tenho um semestre pela frente, com o desafio de sair viva no final. Espero contagiar meus alunos nessa disciplina, já que são eles os professores do futuro. Mais ideias de aulas lúdicas aqui.

Sobre a ilustração: Fotografei quatro pedacinhos do exercício com o celular e editei no Photoshop para ficar neste formato. O scanner não conseguiu pegar as cores fosforecentes dos papéis. Então utilizei o app CamScanner para capturar as imagens. Dá para utilizar na versão gratuita e é útil para transformar qualquer pedaço de papel em documento legível. Inclusive transforma foto em texto.

Você acabou de ler “Laboratório de escrita – Fã ou Hater – Ideia para aula lúdica (6 – Parte 1)“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.wordpress.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 

Como citar: Kuschnir, Karina. 2023. “Laboratório de escrita – Fã ou Hater – Ideia para aula lúdica (6 – Parte 1)“, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: https://wp.me/p42zgF-40h. Acesso em [dd/mm/aaaa].


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O precioso relato de Harriet Ann Jacobs (1813-1897)

O inverno passou de maneira agradável enquanto eu me ocupava com minhas agulhas, e meus filhos, com os livros deles. (Harriet Ann Jacobs, Incidentes na vida de uma menina escrava, p. 199)

A felicidade profunda e singela de mãe é emocionante na leitura dessas memórias de uma sobrevivente de décadas de maus-tratos, torturas, estupros e tenebrosa vida escondida ou em fuga. Harriet Ann Jacobs não perde o encanto pelas crianças, não apenas seus próprios filhos, John e Louise (no livro chamados de Benjamin e Ellen), mas pelos bebês e pequenos que encontra ou cuida. Esse trecho, dos anos 1850, se passa num breve período de tranquilidade, ainda com várias intempéries por vir.

Longe de mim defender qualquer coisa que a aproxime do mito do amor materno. Mil vezes não. (Elizabeth Batinder e muitas mulheres incríveis já nos mostraram que isso não existe.)

O amor que vejo em Harriet é dela mesma, mulher negra, escravizada ilegalmente (ou legalmente, que diferença faz?) nos Estados Unidos desde o seu nascimento, em 1813, por cerca de 30 anos. Ainda sobre a reunião do trio em proteção, ela escreve:

(…) pela primeira vez em muitos anos, tinha meus dois filhos comigo. Eles aproveitaram muito o reencontro e deram risadas e conversaram com alegria. Eu os observei com o coração transbordando. Cada movimento deles me deliciava. (…) Parecia que uma enorme pedra fora retirada de cima de meu peito. Acomodada num bom quarto com a pequenina por quem era responsável, deitei a cabeça no travesseiro com a deliciosa consciência da liberdade pura e legítima. (p. 199-200)

A persistência do amor numa trajetória que tinha tudo para ser amarga me comoveu. Não é um romance, eu me beliscava para acreditar. Foi uma experiência vivida, com dimensões de sofrimento e luta política proeminentes.

Harriet foi criada por uma avó que se destacava na localidade onde moravam, única responsável por alguns anos de infância feliz e relativa proteção. Aprendeu a ler e escrever na casa de seus escravizadores, ilustrando-se mais tarde com leituras religiosas e abolicionistas.

Cedo entendeu “as dificuldades de ser menina”. Foi alvo do pai de sua “proprietária”, um médico branco, dito “doutor”, cujas práticas de estupro, assassinato e tortura eram rotineiras. Por múltiplas estratégias, Harriet consegue gerar e ver nascer dois filhos com outro homem.

Anos mais tarde, relembrando esse período, ela rezava para que ambos não conhecessem o “peso da corrente da escravidão”, mesmo que os “elos fossem de ouro”. Reflete que preferiria ver seus filhos mortos a subjugados ao doutor que “adorava dinheiro, mas adorava ainda mais o poder” (p. 91-2). Ela escreve: “Dê-me a liberdade ou a morte” (p. 113).

Com o auxílio de amigos, consegue se refugiar na casa da avó, para onde também vão seus filhos, num estratagema de seu suposto “dono” para atraí-la de volta. Ao vê-los, por um minúsculo buraquinho de seu esconderijo, ela narra:

“A alegria na casa da minha avó foi enorme! (…) A nuvem mais escura que pairava sobre minha vida tinha ido embora. Fosse lá o que a escravidão fizesse comigo, ela não poderia acorrentar meus filhos. Se eu precisasse ser sacrificada, meus pequenos estariam salvos. (…) É sempre melhor confiar do que duvidar. (…) Tive minha temporada de alegria e gratidão. Era a primeira vez, desde a infância, que experimentava uma alegria verdadeira.” (p. 122-123)

Tudo isso é escrito com a consciência das perversidades da escravidão e o desgosto pela injustiça de que eram vítimas os negros, tanto ao sul quanto ao norte dos EUA. Após sete anos escondida, Harriet chega a Nova York mas não está a salvo: “O doce e o amargo se misturavam na xícara da minha vida”, ela comenta comparando a dureza de sua luta com a doçura do bebê de quem cuidava: “Quando dava risadinhas e gritinhos, e punha os bracinhos macios ao redor do meu pescoço, eu lembrava do tempo em que Benny e Ellen eram bebês e meu coração ferido se acalmava.” (p. 187).

Anos se passam sem que ela esteja em segurança: “É muito triste ter medo do próprio país” (p. 203). Mesmo em NY, era sujeita às leis da escravidão, com receio constante de ser levada de volta ao sul nos anos 1850:

“Que  desgraça  para  uma  cidade  que  se  classificava  como  livre,  que habitantes inocentes de qualquer ofensa e buscando desempenhar suas obrigações com consciência fossem condenados a viver com esse medo incessante e não ter nenhum abrigo para onde se voltar em busca de proteção!” (p. 209)

Harriet sofria também por não poder participar dos ritos religiosos: “Lá estava eu, naquela cidade grande, inocente de qualquer crime, mas ainda assim sem ousar adorar Deus em qualquer igreja. (…) uma americana oprimida que não ousava dar as caras.” (p. 217)

Quando, finalmente livre, pela ajuda de amigos e não pela conquista plena de seus direitos, Harriet desabafa:

“Quanto mais minha mente tinha se esclarecido, mais difícil era me considerar artigo de propriedade; pagar dinheiro àqueles que haviam me oprimido com tanta angústia parecia tirar do meu sofrimento a glória do triunfo. (…)

Então eu estava  vendida, finalmente! Um ser humano sendo  vendido  na cidade livre de Nova York! O recibo de venda  está  registrado,  e  futuras  gerações  vão  aprender  com  ele  que mulheres eram artigo de tráfico em Nova York no final do século da religião cristã. (…)

Leitores,  minha  história  termina  com  liberdade;  não  da  maneira costumeira, com felizes para sempre. Meus filhos e eu agora somos livres. (…) [Mas] o sonho da minha vida está por se realizar. Ainda não estou com meus filhos numa casa própria, continuo sonhando com um lar que seja meu, mesmo que bem humilde. (…)

Foi doloroso, em muitos aspectos, recordar os anos terríveis que passei no cativeiro. Se pudesse, eu os esqueceria com prazer. No entanto, a retrospectiva não vem totalmente sem alívio, porque com aquelas memórias sombrias chegam lembranças ternas da minha boa avó idosa, como luz, nuvens felpudas flutuando sobre um mar escuro e agitado.” (p. 219-221)

Deixo aqui minha homenagem a essa mulher admirável, Harriet Ann Jacobs (1813-1897). Nós que a lemos no Brasil de 2023 ainda temos muito a aprender com seu precioso relato. Muito obrigada, Harriet.

Como diz Jarid Arraes no posfácio da edição da Todavia: “O fim da escravidão não foi o fim do racismo. Não foi o fim da pobreza, (…) da exclusão, do pensamento supremacista. (…) E, para os que se desconfortam nas cadeiras pensando ‘quantas vezes ainda temos que falar sobre isso’, minha resposta é: todas elas”. (trecho destacado pela editora)

Sobre o livro: Incidentes na vida de uma menina escrava, Escrito por ela mesma. Harriet Ann Jacobs (Linda Brent, pseudônimo). (Todavia, 2019, tradução de Ana Ban; pósfácio de Jarrid Arraes; capa de Oga Mendonça).

Sobre a ilustração: Desenho sobre a única foto reconhecida de Harriet Ann Jacobs, disponível na Wikipedia sobre selo creative commons (restaurada por Adam Cuerden; publicada originalmente no Journal of the Civil War Era). Arte com canetinha japonesa Gelly Roll branca 0.5, da Sakura (trazida por minha prima que vive nos EUA) sobre foto impressa em papel comum na impressora de casa. A ideia de decorar a foto veio da ilustradora Lisa Congdon. Quis homenagear Harriet com sua própria imagem e tentei desenhar algo parecido com as rendas utilizadas no vestido dela e em golas do século XIX.

Você acabou de ler “O precioso relato de Harriet Ann Jacobs (1813-1897)“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.wordpress.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 

Como citar: Kuschnir, Karina. 2023. “O precioso relato de Harriet Ann Jacobs (1813-1897)“, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: https://wp.me/p42zgF-3ZS. Acesso em [dd/mm/aaaa].